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domingo, 25 de março de 2012

Iura Novit Curia

O princípio iura novit curia traduz-se no dever que o juiz tem de conhecer a norma jurídica e aplicá-la por sua própria autoridade. Conforme ensina Calmon de Passos (1983, p. 189), ao juiz cabe conhecer o nomen iuris dado ao conjunto formado pelo direito subjetivo do autor da demanda e respectivo direito subjetivo de demandar.

De fato, ao juiz devem ser apresentados o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, conforme dispõe o artigo 282, inciso III, do Código de Processo Civil de 1973, de forma clara, precisa, exaustiva e concisa. Aliás, da análise dos requisitos da petição inicial constantes no Código, observa-se que não é necessário ao autor indicar o dispositivo legal (nomen iuris) que caracterizaria a sua pretensão, e isto decorre do princípio iura novit curia. Pontes de Miranda (1996, tomo IV, p. 17) faz a seguinte afirmação: “não se exige a referência a determinado texto de lei. Iura novit curia!”.

O aforismo iura novit curia remonta ao direito romano e daquela época traz a carga com a qual se nos apresenta atualmente: as partes devem se preocupar em provar os fatos alegados de acordo com os fundamentos jurídicos do pedido, ao juiz cabe, a partir do que ficou provado, aplicar o direito, ou seja, subsumir ao caso concreto a norma jurídica mais adequada (as normas jurídicas mais adequadas).

Assim, a atividade de subsunção feita pelo juiz decorre (também) do aforismo iura novit curia, haja vista que o magistrado terá de adaptar a norma jurídica abstrata à situação de fato. Conforme nos ensina Carrara (2003, p. 77) a atividade subsuntiva não é simples, os casos concretos sempre estão envolvidos em circunstâncias sem relevância jurídica e de valoração distinta, de forma que o juiz tem de analisar cada circunstância precisamente a fim de que não incorra em injustiças. Além disso, a subsunção geralmente não é de apenas um dispositivo legal ao caso concreto, mas de vários dispositivos legais sobre o mesmo caso concreto.

O fundamento do aforismo está no modo como se compõe a relação processual, ou seja, a relação entre o Estado-juiz e as partes. Na sábia lição de Carnelutti (2004, pp. 56 e 44), a noção de parte é o resultado de uma divisão: “os litigantes são partes porque estão divididos. Se vivessem em paz, formariam uma unidade”. Já o Estado-juiz, representado pela pessoa física juiz, é aquele que tem juízo: “diz-se que têm juízo os que sabem julgar”.

Desta forma, se ao autor cabe apresentar os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, nada mais salutar que o juiz dê o juízo sobre os fatos provados, julgando favorável, ou não, ação em relação ao autor.

Calmon de Passos (1983, p. 190) avisa que: “a tipificação dos fatos pelo autor é irrelevante”, o autor deve apresentar e provar os fatos formulando corretamente o seu pedido, sem se preocupar com a tipificação legal, haja vista que se não formular o seu pedido de maneira correta, será prejudicado, porque, pelo princípio da adstrição, o juiz vincula-se ao pedido formulado, não podendo corrigi-lo de ofício.

Ao que complementa Goldschmidt (2002, p. 90-91): “os defeitos da contribuição dos fundamentos de Direito devem ser subsanados pelo juiz em conformidade com os dois aforismos: iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius [dá-me os fatos, que lhe darei o direito]”.

Por fim, vale lembrar as palavras do incomparável jurista italiano Calamandrei (2000, p. 183): “o tradicional aforismo iura novit curia não tem nenhum valor prático se não se acompanhar deste outro: mores novit curia”. Ou seja: “não basta que os magistrados conheçam com perfeição as leis tais como são escritas; seria necessário que conhecessem igualmente a sociedade em que essas leis devem viver”.

 

Assim...
A característica principal de uma lei é a sua obrigatoriedade, e, uma vez em vigor, torna-se obrigatória a todos. De acordo com o art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil, ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Sendo assim, a ignorantia legis neminem excusat tem por finalidade garantir a eficácia da lei, que estaria comprometida se se admitisse a alegação de ignorância de lei vigente. Como consequência, não se faz necessário provar em juízo a existência da norma jurídica invocada, pois se parte do pressuposto de que o juiz conhece o direito (iura novit curia).

 

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