por Emerson Gonçalves
Nos últimos dias o caso Oscar voltou a
ocupar o palco central e a receber as luzes dos holofotes. Embora com
alguma demora, a justiça seguiu um desenvolvimento lógico para o
imbróglio.
Normalmente, para desagrado de grande
parte dos leitores deste Olhar Crônico Esportivo, defendo jogadores e
empresários em diversos embates contra os clubes. Nada tenho contra a
função e a existência dos empresários, pelo contrário, até, pois
considero que eles são necessários ao futebol que hoje é globalizado,
tanto para um Vila Xurupita FC da vida, como para um poderoso e rico
clube da primeira divisão de nosso futebol. O empresário, ao menos em
tese, é um agente, um player, que atua ao lado do atleta e faz uma
ligação com os clubes, com o mercado. Trabalhando bem, ele dá
visibilidade, transparência (pois é…) e um dinamismo que não teria como
existir sem a sua participação.
Sou também, habitualmente, defensor dos
direitos do atleta de buscar o melhor para si próprio, movendo-se de um
clube para outro conforme for melhor para sua carreira ou para seus
interesses de vida. E mais: não enxergo nenhuma relação de dependência
ou obrigação de um jovem
atleta com o clube que o formou. Isso não existe. Quem forma, forma
para ganhar dinheiro, tem um interesse bem claro nessa relação, que nada
tem a ver entre uma relação de pai e filho.
O esporte é profissional, seus vínculos também devem ser.
Quando falamos em profissionalismo e
das relações entre as diferentes partes entre entidades diversas, entra
em cena o que ordena tudo e permite a convivência de interesses
diferentes e até opostos: a lei e sua ferramenta do dia-a-dia, o
contrato.
Oscar e a falsa volta do “passe”
Anteontem e ontem em seu blog, o
jornalista Juca Kfouri (de quem sou fã, leitor e telespectador há
“incontáveis” anos) escreveu a respeito desse caso, dizendo e lamentando
que a determinação judicial para a reintegração do atleta é um retorno
da malfadada “lei do passe”.
Não é, nada tem a ver.
A “lei do passe” era uma excrescência
jurídica, um absurdo de concepção escravagista em pleno final do século
XX. Foi extinta a partir da Europa em ótima hora. No Brasil, rotineira e
erroneamente, e muitas vezes com péssimas intenções, atribuem sua
criação a Pelé, cujo nome identifica a lei que regulou, entre outros
pontos, a extinção do passe. Uma grande bobagem, pois a lei em si, sua
essência, já veio pronta e acabada. Com o fim do passe na Europa e seu
reconhecimento pela FIFA, tudo que cabia aos países membros era adotar a
mesma legislação. Primeiro, por questão de justiça e progresso nas
relações trabalhistas; segundo, para garantir aos nossos clubes a
manutenção de seus direitos legítimos sobre os atletas. Se aqui
vigorasse o passe, como desejam muitos trogloditas do mundo da bola até
hoje, nenhum atleta brasileiro seria negociado por seu clube com outro
do exterior.
O jogador simplesmente iria embora, assinava com quem quisesse e
seguiria sua vida sem nada pagar ou dever ao clube “dono de seu passe”
em Terra Brasilis.
Sem o vil e infame passe, a garantia
que um clube tem para investir na formação de um atleta ou na negociação
de um direito federativo, é o contrato.
Contrato existe para ser cumprido
Cumprir um contrato implica até mesmo o seu rompimento unilateral.
Isso mesmo. Cumprir um contrato no
mundo do futebol (vamos nos ater a isso) significa tanto jogar bonito e
direitinho todo o seu tempo de duração pelo clube como, também, pegar a
trouxinha, fechar a porta do armário e ir embora para qualquer outro
clube na hora que bem entender. Desde, é claro, que a multa pela
rescisão contratual seja paga.
Desde, é claro, que a multa pela rescisão contratual seja paga.
Esse “pequeno detalhe” faz toda a diferença.
O atleta Oscar não cumpriu sua parte no
contrato que tinha com o São Paulo. Rompeu-o, unilateralmente, sem
pagar ao clube a compensação devida e estipulada no contrato assinado.
Alegou, entretanto, que o clube não cumprira com algumas obrigações e
estava em falta com ele.
Perfeito, a lei prevê essa
possibilidade para um rompimento contratual sem o devido pagamento de
multa. Todavia, como ficou claro na recente decisão judicial, as
alegações do atleta (e seu advogado e empresário) foram falsas, não
tinham base, não tinham fundamento.
Quem disse tudo isso não foi, como na
primeira decisão judicial, um único magistrado de primeira instância,
como foi o caso nesse processo, mas sim três magistrados de segunda
instância, que decidiram, de forma unânime, pelo clube.
Ora, um processo em segunda instância é
analisado com mais rigor e atenção ainda, não só por um, repito, mas
por três diferentes juízes ou desembargadores. Que são, normalmente,
profissionais com maior tempo de carreira e – por que não? – saber
jurídico. Essa decisão, portanto, deixou claro, deixou patente, que a
ação movida pelo atleta fora, tão somente, um artifício com a finalidade
de liberá-lo e garantir que os ganhos financeiros na sequência de sua
carreira ficassem com ele mesmo e seu empresário, ao invés de ficarem,
como era de direito legal, contratual, com o clube formador.
Parece claro, também, à vista dos
acontecimentos da época e declarações de outros atletas, como Casemiro,
que tudo isso foi parte de uma armação mais ampla, pela qual diversos
atletas deixariam o São Paulo FC e entrariam no mercado sem os custos
das transferências. Nos casos de Diogo e Piazon o clube reverteu o
processo. Os dois atletas, por sinal, já foram negociados, um deles em
definitivo e por excelente valor, considerando sua idade. Outros, como
Casemiro, negaram-se a entrar na aventura.
A lógica que deve prevalecer
A FIFA é clara: um atleta não pode ter dois vínculos federativos.
O vinculo federativo é uno e
indivisível. A rigor, portanto, o direito federativo ou vínculo
federativo, só existe de duas maneiras: ele é 100% ou inexiste o vínculo
e o atleta pode assinar com quem quiser.
Oscar foi à justiça e perdeu (sim, é
possível que seu advogado ainda recorra, mas, assim mesmo, não há efeito
suspensivo da sentença). A determinação judicial foi clara, à prova de
burro: o contrato antigo foi revalidado, sua extensão aumentada para
compensar o período em que o atleta esteve ausente e, portanto, o mesmo
deve ser reintegrado ao clube para cumprir o contrato original.
Simples assim.
Não há, portanto, resquício ou
possibilidade alguma de tal decisão configurar um retorno da maldita e
atrasada “lei do passe”. Tudo que é exigido é apenas o mínimo: Oscar
deve cumprir seu contrato com o São Paulo FC.
Ponto.
E, como disse mais acima, cumprir o
contrato significa, também, pegar a trouxinha, ou nem isso, pois sua
trouxinha já foi pega há muito, e ir embora, passando antes pelo caixa e
deixando o dinheiro da multa rescisória.
Simples assim. Pagar a multa é cumprir o contrato.
E o direito do Internacional?
Não existe.
Se o primeiro contrato foi revalidado, e
foi, o segundo contrato, assinado entre o Internacional e o atleta,
carece de base legal, pois não podem existir dois contratos, um atleta
não pode ter dois vínculos federativos. Lógica simples.
Quando assinou com Oscar o
Internacional já sabia, como todos no mundo da bola sabiam, que havia um
litígio, uma pendência judicial envolvendo a saída do atleta. Mesmo
assim, o clube assinou e, posteriormente, segundo se informa, pagou alta
soma ao atleta (e seu empresário), referente à aquisição de boa parte
de seus direitos econômicos em caso de transferência futura. Esse é um
problema a ser resolvido entre as duas entidades: o atleta Oscar e o
clube Internacional. Eles que criaram o abacaxi, eles que o descasquem.
A quem interessa essa decisão?
Ao São Paulo, é claro.
E a todo clube brasileiro que conta com a receita das negociações de atletas formados em suas bases.
Portanto, é uma decisão que beneficia o
próprio Internacional. Afinal, malandragem desse tipo ou similar
poderia ter sido empregada por, digamos, Alexandre Pato. E o Inter
teria amargado tenebroso prejuízo.
Bons clubes que são, Internacional,
Grêmio, Fluminense, Cruzeiro, Atlético Paranaense e outros mais, como o
próprio São Paulo, vêm se destacando na formação e negociação de
atletas. A legislação, tanto a cível e trabalhista brasileira, como a
esportiva que é regulamentada pela FIFA, dão algumas garantias aos
clubes formadores que são, na vida real, insuficientes. Isso leva os
clubes a buscarem um pouco mais de garantia através da assinatura de
contratos mais longos com jovens atletas emancipados. E isso exige dos
clubes um cumprimento rigoroso de tudo que assinam com seus atletas,
pois se houver brecha ela poderá ser aproveitada para uma liberação
unilateral sem compensação financeira.
Como disse, a decisão de segunda
instância deixou claro que a primeira decisão foi um equívoco total por
parte da magistrada que a proferiu. Assim sendo, o São Paulo cumpria
suas obrigações “tudo certinho”, quando foi surpreendido pela saída do
atleta e sua entrada na justiça. Essa completa reversão do imbróglio,
portanto, recoloca tudo nos seus devidos eixos.
A questão da multa rescisória
Ao contrário do que diz o advogado do
atleta, em mero jogo de cena para a imprensa, no qual o Departamento
Jurídico não acredita, pelo que sabemos, a multa rescisória para Oscar
deixar o São Paulo não é de apenas nove milhões de reais ou até menos
que isso, como já foi levantado. O atleta ainda tinha contrato a cumprir
e este teve sua duração expandida pelo mesmo tempo que ele ficou
ausente, como já disse mais acima.
A multa contratual tem por objetivo
ressarcir o clube não só do investimento passado, como também dos ganhos
futuros. Portanto, seu valor não será limitado à base de cálculo
formada pelo salário do mês em que o atleta rompeu ou aos valores pagos
anteriormente, mas deverá, também, incluir os valores salariais que
seriam pagos futuramente, de acordo com o contrato. Alguns cálculos
apontam para 14 ou 15 milhões de reais, mas ainda não sabemos, ou pelo
menos não foi divulgado pelo Jurídico do São Paulo, o valor correto da
multa.
Então, é isso. Oscar não precisa jogar à
força no São Paulo, onde, diz ele, não se sente bem. Se ele quer ir
para o Internacional – e essa é a forma verbal correta, uma vez que ele,
fisicamente ou não, está no São Paulo – ou outro clube, tem, apenas,
que pagar sua multa contratual.
Ao contrário de outrora, quando existia o passe, ele está livre para ir e vir, está livre para jogar onde bem entender.
Tudo que ele precisa fazer é cumprir seu contrato. Nada mais.
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