A história do direito brasileiro, até as duas primeiras décadas do século XIX, confunde-se com a história do direito português ou, simplesmente, constitui parte dela. Após a Independência do Brasil, em 1822, começa-se a tratar do Direito Brasileiro propriamente dito.
Toda divisão da história em períodos, a rigor, implica sempre certo arbítrio. Com relação à história do direito, não poderia ser diferente. A propósito, Raymond Monier, em seu Manual Elementar de Direito Romano, observa que uma divisão da história em períodos apresenta algo arbitrário, e é preciso reconhecer que não existe sincronismo rigoroso entre os acontecimentos políticos, a evolução dos costumes e as transformações do Direito.
Outra questão também muito importante, passando pelo tema, é a de saber qual critério a adotar para tal divisão. Assim, quando se utiliza do critério meramente cronológico, os riscos do mencionado arbítrio são maiores, ao que se deve agregar ainda tratar-se de divisão muito imprecisa. É, contudo, uma opção, ao menos, prática.
Quando se fala em história do direito brasileiro, considera-se que, até as duas primeiras décadas do séc. XIX, essa história se confunde com a história do direito português ou, simplesmente, constitui parte dela. No caso do direito português, ao tempo do Brasil colonial, tem-se que havia um direito geral luso, válido em todo reino; um colonial, válido para as colônias que constituíam o império, e outro especial, destinado à colônia da Terra de Santa Cruz.
Quando se pretende abordar o Direito brasileiro no século XVI, melhor dir-se-ia o Direito no Brasil, em tal período, passa-se, necessariamente, pelas ordenações Manuelinas e Afonsinas, a primeira legislação relativa ao Brasil (a legislação eclesiástica, a legislação civil e as leis extravagantes), o regime das capitanias hereditárias e o do governo geral. Impõe-se, ainda, um registro sobre o antecedente Tratado de Tordesilhas (7.6.1494).
Importante notar que, ao ser descoberto o Brasil (22 de abril de 1500), vale dizer, quando avistado um grande monte muito alto e redondo, que levou o nome de Monte Pascoal (por que o calendário litúrgico indicava as oitavas da Páscoa cristã), parte dele já pertencia a Portugal, por efeito do referido Tratado.
Pela Capitulação da Partição do Mar Oceano, que foi o nome oficial do tratado em destaque, em síntese, admitidas foram duas linhas demarcatórias, a saber: caso a Espanha descobrisse novas terras a Oeste (até 20 de junho de 1494), a linha passaria a 250 léguas da ilha de Cabo Verde; na hipótese em contrário (como de fato ocorreu). passaria a 370 léguas.
Essa linha (um meridiano) imaginária, evidentemente, seria considerada a Oeste do arquipélago de Cabo Verde e, a partir daí. o que ficasse a Leste seria português e a Oeste dos castelhanos. Naturalmente, muitos problemas adviriam daí, a começar pela demarcação ajustada, que nunca se efetivou.
No Direito Geral Português, vigoravam as Ordenações Afonsinas (que vigeram de 1446 a 1514), substituídas pelas Ordenações Manuelinas, tendo como Direito subsidiário o Direito Romano, o Direito Canônico e o Direito Consuetudinário, além das leis avulsas, mais particularmente as extravagantes. As Ordenações Afonsinas tomaram essa denominação porque, muito embora essa compilação do direito lusitano tenha-se iniciado ao tempo de João I (1385-1433), a obra só se completou em 17 de julho de 1446, já ao tempo de Afonso V.
Tiveram essas ordenações por fonte coleções das leis gerais portuguesas, como o livro das leis e posturas e as Ordenações de d. Duarte; as resoluções das Cortes (algo como um parlamento); os usos e costumes (os costumes propriamente ditos, e os foros, as façanhas, as respostas e os estilos); o Direito Foralício; o Direito Romano; o Direito Canônico, e a Lei das Setes Partidas de Afonso de Castela, que eram assim designadas por que divididas em sete livros, cada um tratando de matéria específica.
A propósito, registre-se que os foros referidos, constituíam privilégios e imunidades, válidos somente em determinados sítios; as façanhas eram as decisões dos juízes municipais; as respostas expressavam os pareceres dos jurisconsultos, e os estilos eram as regras que deveriam ser respeitadas nos processos em curso na Casa da Suplicação de Lisboa (a mais alta corte de justiça do reino).
As Ordenações Afonsinas (1446), no que seria seguida pelas Manuelinas (1514) e estas pelas Filipinas (1603), eram divididas em cinco livros e, por certo, os compiladores inspiraram-se, na ordem das matérias, na Lei das Doze Tábuas (séc. V. a.C) e no Edito de Sálvio Juliano (séc. II, d.C). Quanto à primeira legislação relativa ao Brasil, como já referido, forçoso é assinalar a legislação eclesiástica, a legislação civil e as leis extravagantes.
Das primeiras, recordem-se as bulas dos papas Julio II (de 24 de janeiro de 1506) confirmando a el-rei Manuel, na qualidade de grão-mestre da Ordem de Cristo e soberano de Portugal, os direitos sobre terras brasileiras, nos estritos limites do estabelecido na Capitulação da Partição do Mar Oceano, mais conhecida como Tratado de Tordesilhas, que seria confirmada por outra, do papa Leão X.
Em face de muitas restrições de potências européias de então, houve a necessidade de outra bula, editada em 1551 pelo papa Júlio III, pela qual o Brasil ficaria unido à coroa e ao domínio dos reis de Portugal, como grão-mestres e perpétuos administradores da Ordem de Cristo. Como primeiros atos legislativos, promanados da coroa lusitana (abstraindo-se contrato de arrendamento feito com Fernando de Noronha), têm-se dois alvarás de Manuel I, em 1516, e três cartas-régias de João III, datadas de 20 de novembro de 1530.
Os alvarás, como se recorda, eram diplomas legais que continham disposições cujo efeito, em regra, não deveria durar mais de um ano; já as cartas-régias eram documentos com força de lei dirigidos a certas autoridades ou a determinadas pessoas, contendo medidas de caráter geral e quase sempre, permanentes.
O homem prático e capaz escolhido foi Martim Afonso de Sousa e a ele, naturalmente, foram dirigidas as três cartas-régias de 20 de novembro de 1530.